segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Deprimente Lucidez

Medina Carreira / Eduardo Dâmaso - Portugal que Futuro? (2009)
Livro Apreciação: 8,5 / 10
Deprimente não é a lucidez da análise, como é evidente. Deprimente é a realidade alvo da análise. As intervenções de Medina Carreira em programas televisivos têm sido contrastantes com o clima em que se tem vivido no país. Tais intervenções têm denunciado a política seguida pelos governos das duas últimas décadas. O problema, diz-nos o fiscalista, põe-se em termos económicos básicos: insuficientes taxas de crescimento económico; carga fiscal no limite; endividamento crescente do estado, das empresas e das famílias. Não se tem feito nada de consequente para inverter a situação. Pior: poucos têm consciência do problema. Os mais atentos têm referenciado Medina Carreira como alguém que se atreve a dizer "o rei vai nu".
Este livrinho em género de entrevista (o jornalista é Eduardo Dâmaso) permite conhecer mais detalhadamente a tese de Medina Carreira. Desde logo, ajuda a perceber que acredita no estado social e é, precisamente, para garantir a sua perseveração que lança alertas. A situação chegou, no seu entender, a um tal ponto de degradação que poder vir a gerar tensões sociais graves. Ou seja, ao contrário do que se possa pensar, não é um "abominável neo-liberal" - aliás, convém ter em conta o seu passado de ministro das finanças num governo de Mário Soares nos idos de finais dos anos 70. Diria que a sua visão é a de um homem de esquerda, mas moderado e realista (digamos, um verdadeiro social-democrata), avesso à imperante demagogia e que lança alertas para se salvar o essencial, prescindindo-se do acessório. Os seus apartes de censura aos políticos e mentalidades aparecem aqui integrados num esboço de análise da sociedade portuguesa e a perspectiva não se reduz, portanto, à denúncia populista. Contudo, não tem pejo em apontar como responsáveis, os sucessivos governos que temos tido. Pelo seu lado, a cidadania também não sai incólume, já que, por exemplo, não abdica dos "direitos adquiridos". Medina Carreira não utiliza muito as etiquetas esquerda e direita, até porque o seu discurso pretende ultrapassar a dimensão política. Tem, aliás, o cuidado de se apresentar como não político e é sempre com enfado que se refere ao mundo da política. Esta acaba por ser , no meu entender, a sua maior limitação. Entre outras coisas, a eficácia das suas propostas torna-se, assim, mais reduzida. É pena, pois este livrinho mostra-nos o que pode ser um excelente esboço de pensamento político para os problemas do nosso país - uma base para uma via de ruptura com o actual sistema. Seja como for, é, pelo menos, uma denúncia sustentada na lógica e na objectividade dos números. Não se pode ficar indiferente.

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