domingo, 15 de novembro de 2009

Memórias na História

Eric Hobsbawm - Tempos Interessantes - Uma Vida no Século XX [Interesting Times - A Twentieh-Century Life (2005)]

Livro - Apreciação: 9,0 / 10
Eric Hobsbawm é um famoso historiador, autor de A Era das Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Extremos - tríptico que vai desde finais do século XVIII até aos tempos actuais. Outras obras suas, como Primitive Rebels (sobre a origem da Máfia) e The Jazz Scene, atestam também o seu interesse por temas originais. Além disso, escreve de forma atractiva.
Hobsbawm foi sempre comunista e ainda reivindica sê-lo, o que suscita um lastro sensacionalista nos media. É, enfim, o estranho caso do velho historiador que é comunista e inglês, ainda por cima, acrescente-se... sir. É com este estereótipo que é introduzido ao grande público. Não se esquivando, Hobbsbawm reserva nestas memórias muitas reflexões sobre a sua condição de comunista. Regra geral, a análise concreta do comunismo é correcta e em questões polémicas não se exime à postura de honestidade intelectual. Com algum pesar, é certo, reconhece que foi uma coisa medonha (nunca utiliza este termo ou algum análogo, note-se). É o que faz em relação ao estalinismo, à invasão da Hungria e à sua experiência de uma visita à União Soviética. Porém, não retira as conclusões lógicas que daí decorrem. Ou seja, reconhecendo a contra-gosto que as sociedades comunistas foram más, não toma o passo que tantos, chegando à mesma conclusão, tarde ou cedo, acabaram por tomar. Permaneceu. Mais, orgulha-se disso. Parece possuído pela obstinação (e gozo) do último dos mohicanos... Em última análise, diz que o faz por superior respeito pelo que representam os ideais da Revolução de Outubro. Porém, escusado será dizer que é criticado por muitos que entendem que, na melhor das hipóteses, o faz por pedantismo ou casmurrice. Contudo, nestas memórias há constantes provas de honestidade intelectual. Nas alusões aos ideais da Revolução de Outubro descortino incapacidade de renúncia à utopia que sustentou as grandes opções da sua vida, assim como um profundo inconformismo. Este posicionamento, mesmo em relação a uma experiência desacreditada, não é necessariamente desqualificador e pode ser útil. É óbvio que a sociedade globalizada em que vivemos tem gravíssimos problemas. Nada justifica, mesmo para os que, como eu, acreditam que este é o modelo menos mau de sociedade possível, um discurso triunfalista sobre o fim das ilusões utópicas do século XX.
Nestas memórias, Hobsbawm olha para a sua própria vida com olhos de historiador. Utiliza-a como um objecto de análise ao serviço da história. O subtítulo é, portanto, fidedigno. São cruciais os primeiros capítulos, sobre a sua infância e juventude, sucessivamente em Viena e Berlim. Nesta última cidade, ainda adolescente, faz-se comunista para sempre - não num momento e lugar qualquer, mas quando os nazis assaltam o poder, no convulsivo olho de furacão que era então Berlim. As descrições são elucidativas da dimensão do que lhe coube presenciar. A sua origem de judeu centro-europeu acabou por lhe dar a possibilidade de se mover em três culturas: judaica, germânica e inglesa. Quiseram as circunstâncias que esta última acabasse por se sobrepor. O jovem judeu errante centro-europeu, quase apátrida, tornar-se-ia um académico britânico. Mas, em certa medida, muito pouco british... As suas paixões saltam constantemente para o lado de cá da Mancha, para França, Itália e Espanha. Hobsbawm adora estes três países, sobretudo a França (é um francófilo, nostálgico da França jacobina...). A partir de experiências pessoais soltas, desenha uma síntese informal que é preciosa para compreender a evolução destas sociedades.
Em suma, a discussão sobre a reivindicação da condição de comunista não pode obscurecer a riqueza destas memórias que são um grande testemunho sobre o século XX.

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