quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Salsa Clássica


Héctor Lavoe - De Ti Depende (1976)
CD Apreciação: 9,0 / 10
Depois de uma fase inicial em que foi solista da orquestra de Willie Colón, Héctor Lavoe aparece à frente da sua própria orquestra. Esta, em pouco difere da anterior. O que se passou foi que Willie Colón cedeu-lhe a direcção, dedicando-se a outros projectos. Alguns choques pessoais causaram este afastamento, como é mostrado no filme El Cantante. Mas não chegou a ser uma ruptura. Com efeito, Willie assegura-lhe a produção das gravações e a sonoridade continua a ser a mesma. 
Este é o segundo álbum desta fase. A voz de El cantante de los cantantes está na plenitude e o envolvimento orquestral está à altura. Temos salsa da mais clássica, com o atractivo adicional de estar entremeada por boleros, onde a voz acentua o seu lastro melancólico. Mas o tema mais carismático é Periódico de Ayer. É como que a quinta-essência da salsa. Letra e música são do portoriquenho Tite Curet Alonso, o mesmo que compôs o bolero Puro Teatro, celebrizado por La Lupe. Do mesmo modo, trata-se de um tema de amor em plano de despeito canalha. Aliás, a voz de Héctor tem o adequado travo canalha... A orquestração é espectacular, assente em metais e ritmo sobre um fundo grandioso. Daqui se retirou o trecho que foi utilizado para o menu da edição em DVD de El Cantante. De notar, finalmente, que neste álbum estão presentes outros temas assinaláveis, como Felices Horas, Vamos a reír un poco e Hacha y Machete. É um marco na história da salsa.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Top 100 Salsa CDs of all time

Em Salsa-Central.com encontra-se uma lista dos 100 melhores CDs de salsa de sempre. Foi feita pela revista porto-riquenha Primera Hora. Listas deste género desencadeiam controvérsia, contudo podem ser uma orientação útil. Dificilmente se encontram estes CDs em Portugal. Na verdade, não importa, graças à possibilidade de os comprar pela Internet. De Espanha, França e, muito especialmente, dos Estados Unidos pode-se conseguir o que se pretende.

Andy Montañés / La Dimensión Latina Andy Montañés & La Dimensión Latina
Batacumbele Con un Poco de Songo
Bobby Valentín Algo Nuevo
Bobby Valentín Musical Seduction
Bobby Valentín Rompecabezas
Bobby Valentín Soy Boricua
Celia Cruz / Johnny Pacheco
Pete, Celia & Johnny
Celia Cruz / Tito Puente Homenaje a Benny Moré Volumes 1-2-3
Charlie Palmieri Heavyweight / Electro Duro
Cheo Feliciano Cheo
Cheo Feliciano Estampas
Cheo Feliciano Sentimiento, Tú...
Conjunto BorinCuba / Justo Betancourt Conjunto BorinCuba with Justo Betancourt
Domingo Quiñónez Poeta y Guerrero
Eddie Palmieri Champagne
Eddie Palmieri Lo que Traigo es Sabroso
Eddie Palmieri Superimposition
Eddie Palmieri The Sun of Latin Music
Eddie Palmieri / Tito Puente Masterpiece
El Gran Combo 40th Anniversary Live!
El Gran Combo Acangana
El Gran Combo Nuevo Milenio, el Mismo Sabor
El Gran Combo Happy Days
El Gran Combo Mejor que Nunca
El Gran Combo Unity
Familia RMM Combinación Perfecta
Fania All Stars Commitment
Fania All Stars Live at the Cheetah Vol # 1 & 2
Fania All Stars Live at Yankee Stadium Vol # 1 & 2
Frank Ferrer 2013
Frankie Ruiz Mi historia: Edición Limitada
Gilberto Santa Rosa Esencia
Gilberto Santa Rosa Perspectiva
Héctor Lavoe Comedia
Héctor Lavoe La voz
Impacto Crea Impacto Crea
Ismael Miranda Así se Compone un Son
Ismael Rivera Eclipse Total
Ismael Rivera El Sonero Mayor
Ismael Rivera El Único
Jimmy Bosch Soneando Trombón
Joe Batan Riot
Joe Cuba Sextette Comin’ at You
Joe Cuba Sextette Wanted Dead or Alive
Johnny Pacheco El Maestro
Johnny Pacheco / Pete “El Conde” Rodríguez De Nuevo los Compadres
Johnny Pacheco / Pete “El Conde” Rodríguez Champ
Justo Betancourt Distinto y Diferente
Justo Betancourt Pa’ Bravo Yo
La Conspiración Ernies Conspiracy
La Solución / Frankie Ruiz La Solución with Frankie Ruiz
Lalo Rodriguez Simplemente Lalo
Larry Harlow Electric
Larry Harlow Larry Harlow
Larry Harlow / Ismael Miranda Tribute to Arsenio Rodriguez
Lebrón Brothers Salsa y Control
Louie Ramírez / Ray de la Paz Con Caché!
Luis “Perico” Ortiz Sabor Tropical
Luis “Perico” Ortiz Super Salsa
Machito Carambola
Machito / Lalo Rodriguez Fireworks
Manny Oquendo / Libre Ahora!
Marvin Santiago Fuego a la Jicotea
Oscar D’León Oro Salsero: The Best of Oscar D’León
Pete “El Conde” Rodriguez Este Negro si, es Sabroso
Puerto Rico All Stars Los Profesionales & Puerto Rico All Stars Volumes 1 & 2
Rafael Cortijo y su Combo Baile con Cortijo y su Combo
Rafael Cortijo y su Combo Bueno…Y Qué?
Rafi Leavitt Jíbaro Soy
Ray Barretto El Ray Criollo
Ray Barretto Indestructible
Ray Barretto Que Viva la Música
Ray Barretto Ray Barretto
Ray Barretto Ricanstruction
Ray Barretto Acid
Richie Ray / Bobby Cruz Agúzate
Richie Ray / Bobby Cruz Los Durísimos
Roberto Roena y su Apollo Sound Gold
Roberto Roena y su Apollo Sound Roberto Roena y su Apollo Sound # 6
Roberto Roena y su Apollo Sound Roberto Roena y su Apollo Sound # 7
Rubén Blades / Son del Solar Antecedente
Sonora Ponceña Fuego en el 23
Sonora Ponceña Musical Conquest
Sonora Ponceña Unchained Force
The Alegre All Stars They Just Don’t Make’m Like this Anymore!
The CESTA All Stars Volumes 1 & 2
Típica 73 Salsa Encendida
Típica 73 The Two Sides of Típica 73
Tito Puente Cuando Suenan los Tambores
Tito Puente Dancemania
Tito Puente Para los Rumberos
Tito Rodriguez El Doctor
Tommy Olivencia Planté Bandera
Willie Colón / Celia Cruz
Willie & Celia
Willie Colón / Héctor Lavoe
Cosa Nuestra
Willie Colón / Héctor Lavoe
Willie Colón / Héctor Lavoe

La gran fuga
El Juicio
Willie Colón / Héctor Lavoe
Lo Mato... si no Compra este LP
Willie Colón / Rubén Blades Metiendo Mano
Willie Colón / Rubén Blades Siembra
Willie Rosario From the Depth of my Brain
Willie Rosario Nuevos Horizontes



quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Longo Relato do Horror

Martin Gilbert - A Segunda Guerra Mundial [Second World War (1989)]
Livro Apreciação: 7,5 / 10
Faz 70 anos que começou a II Guerra Mundial. A efeméride tem suscitado edições de variado material alusivo. Edições e, como parece ser o caso deste livro, também reedições. Seja como for, a edição original, em inglês, é de 1989. Ou seja, saiu aquando do cinquentenário do início da Guerra.
Martin Gilbert é o autor de uma monumental biografia de Wiston Churchill. A sua área é a história política britânica do século XX. De um modo que é relativamente frequente na historiografia anglo-saxónica, tem sido, sobretudo, um biógrafo e um cronista. Neste caso dedica-se a fazer uma crónica exaustiva, que pouco mais é do que uma cronologia detalhada. É ideal para quem quiser ter uma perspectiva factual, que dê uma noção precisa de como a guerra foi evoluindo. Contudo, não fornece perspectivas de análise a nível político ou, sequer, estritamente militar. O que não quer dizer que não existam observações analíticas, só que ao sabor do desfiar factual. De modo que diríamos que é uma cronologia detalhada e comentada, sendo adequada para motivar posterior contacto com obras de maior fôlego analítico e interpretativo. Reforçando o seu valor informativo, é de notar que possui muitos mapas e algumas fotos.
Tendo assim um carácter limitado nos seus propósitos, o que confere a esta obra um interesse acrescido é salientar os factos em que os protagonistas são as vítimas dos actos mais criminosos que a humanidade conheceu. Faz desfiar uma infindável relação de barbaridades que ultrapassam o que a moral e a razão podem suportar. É certo que já se sabe, mas sempre que há oportunidade para aprofundar o conhecimento do que já se sabe, o horror é revivido de forma mais forte. Percebe-se através desta crónica que o ódio racial foi sempre o centro da ideologia nazi a ponto de ter condicionado o desenrolar da guerra. Por isto esta guerra é diferente de todas as demais. O Holocausto não foi um acidente de guerra; foi um dos grandes objectivos da guerra por parte de quem a desencadeou.
É pena que, seja devido à tradução, seja devido ao registo do próprio original, haja repetições de factos e que a sua arrumação aqui e ali deixe um pouco a desejar. Por outro lado, é evidente que é da responsabilidade de tradução, por exemplo, não converter milhas para quilómetros, o que para a generalidade dos leitores menos familiarizados com o sistema de medidas britânico se revela, no mínimo, como um desleixo antipático e incompreensível.

domingo, 15 de novembro de 2009

Memórias na História

Eric Hobsbawm - Tempos Interessantes - Uma Vida no Século XX [Interesting Times - A Twentieh-Century Life (2005)]

Livro - Apreciação: 9,0 / 10
Eric Hobsbawm é um famoso historiador, autor de A Era das Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Extremos - tríptico que vai desde finais do século XVIII até aos tempos actuais. Outras obras suas, como Primitive Rebels (sobre a origem da Máfia) e The Jazz Scene, atestam também o seu interesse por temas originais. Além disso, escreve de forma atractiva.
Hobsbawm foi sempre comunista e ainda reivindica sê-lo, o que suscita um lastro sensacionalista nos media. É, enfim, o estranho caso do velho historiador que é comunista e inglês, ainda por cima, acrescente-se... sir. É com este estereótipo que é introduzido ao grande público. Não se esquivando, Hobbsbawm reserva nestas memórias muitas reflexões sobre a sua condição de comunista. Regra geral, a análise concreta do comunismo é correcta e em questões polémicas não se exime à postura de honestidade intelectual. Com algum pesar, é certo, reconhece que foi uma coisa medonha (nunca utiliza este termo ou algum análogo, note-se). É o que faz em relação ao estalinismo, à invasão da Hungria e à sua experiência de uma visita à União Soviética. Porém, não retira as conclusões lógicas que daí decorrem. Ou seja, reconhecendo a contra-gosto que as sociedades comunistas foram más, não toma o passo que tantos, chegando à mesma conclusão, tarde ou cedo, acabaram por tomar. Permaneceu. Mais, orgulha-se disso. Parece possuído pela obstinação (e gozo) do último dos mohicanos... Em última análise, diz que o faz por superior respeito pelo que representam os ideais da Revolução de Outubro. Porém, escusado será dizer que é criticado por muitos que entendem que, na melhor das hipóteses, o faz por pedantismo ou casmurrice. Contudo, nestas memórias há constantes provas de honestidade intelectual. Nas alusões aos ideais da Revolução de Outubro descortino incapacidade de renúncia à utopia que sustentou as grandes opções da sua vida, assim como um profundo inconformismo. Este posicionamento, mesmo em relação a uma experiência desacreditada, não é necessariamente desqualificador e pode ser útil. É óbvio que a sociedade globalizada em que vivemos tem gravíssimos problemas. Nada justifica, mesmo para os que, como eu, acreditam que este é o modelo menos mau de sociedade possível, um discurso triunfalista sobre o fim das ilusões utópicas do século XX.
Nestas memórias, Hobsbawm olha para a sua própria vida com olhos de historiador. Utiliza-a como um objecto de análise ao serviço da história. O subtítulo é, portanto, fidedigno. São cruciais os primeiros capítulos, sobre a sua infância e juventude, sucessivamente em Viena e Berlim. Nesta última cidade, ainda adolescente, faz-se comunista para sempre - não num momento e lugar qualquer, mas quando os nazis assaltam o poder, no convulsivo olho de furacão que era então Berlim. As descrições são elucidativas da dimensão do que lhe coube presenciar. A sua origem de judeu centro-europeu acabou por lhe dar a possibilidade de se mover em três culturas: judaica, germânica e inglesa. Quiseram as circunstâncias que esta última acabasse por se sobrepor. O jovem judeu errante centro-europeu, quase apátrida, tornar-se-ia um académico britânico. Mas, em certa medida, muito pouco british... As suas paixões saltam constantemente para o lado de cá da Mancha, para França, Itália e Espanha. Hobsbawm adora estes três países, sobretudo a França (é um francófilo, nostálgico da França jacobina...). A partir de experiências pessoais soltas, desenha uma síntese informal que é preciosa para compreender a evolução destas sociedades.
Em suma, a discussão sobre a reivindicação da condição de comunista não pode obscurecer a riqueza destas memórias que são um grande testemunho sobre o século XX.

sábado, 14 de novembro de 2009

México Profundo


Paquita la del Barrio - Taco Placero (2001)
CD - Apreciação: 7,5 / 10
A notoriedade de Paquita la del Barrio adveio da interpretação de temas com letras que são um discurso de imprecações anti-machistas numa tónica desbragada, às vezes parodiando com alusões de cariz sexual. É curioso, pois parece que se transfigura quando canta, sendo, fora do palco, do mais discreto e convencional. Além desta nota pícara, há uma outra não menos marcante: o estilo musical que sustenta discurso e pose, o qual oscila entre cabaret e mariachi, mas sempre em plano demodé. A maior parte dos temas com letras pícaras são da autoria de Manuel Eduardo Toscano. Supõe-se que, para além da inspiração de autor, deve haver nas tradições populares mexicanas um vasto campo inspirador para tão corrosivo "escárnio e maldizer"... Mas Paquita insere-se também numa linha mais convencional como demonstra a parte, de facto, dominante no seu repertório, que é constituída por clássicos rancheros.
Este álbum inclui dois dos mais carismáticos temas de Manuel Eduardo Toscano - Taco Placero e Rata de Dos Patas - este último é um bizarro desfiar de insultos soezes. Do mesmo autor, deve-se também mencionar Nadie Perdona el Éxito, que é uma imprecação contra os invejosos. Contudo, sem perder de vista a mais-valia da chancela de Toscano, quem é apreciador de rancheras valorizará também a interpretação de temas convencionais. É o caso do clássico Paloma Negra, interpretado com a contundência expressiva que é bem peculiar a Paquita. O culto em torno desta diva, em contra-tendência com modelos dominantes, não deve, portanto, ignorar os seus intrínsecos méritos de intérprete de rancheras.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Deprimente Lucidez

Medina Carreira / Eduardo Dâmaso - Portugal que Futuro? (2009)
Livro Apreciação: 8,5 / 10
Deprimente não é a lucidez da análise, como é evidente. Deprimente é a realidade alvo da análise. As intervenções de Medina Carreira em programas televisivos têm sido contrastantes com o clima em que se tem vivido no país. Tais intervenções têm denunciado a política seguida pelos governos das duas últimas décadas. O problema, diz-nos o fiscalista, põe-se em termos económicos básicos: insuficientes taxas de crescimento económico; carga fiscal no limite; endividamento crescente do estado, das empresas e das famílias. Não se tem feito nada de consequente para inverter a situação. Pior: poucos têm consciência do problema. Os mais atentos têm referenciado Medina Carreira como alguém que se atreve a dizer "o rei vai nu".
Este livrinho em género de entrevista (o jornalista é Eduardo Dâmaso) permite conhecer mais detalhadamente a tese de Medina Carreira. Desde logo, ajuda a perceber que acredita no estado social e é, precisamente, para garantir a sua perseveração que lança alertas. A situação chegou, no seu entender, a um tal ponto de degradação que poder vir a gerar tensões sociais graves. Ou seja, ao contrário do que se possa pensar, não é um "abominável neo-liberal" - aliás, convém ter em conta o seu passado de ministro das finanças num governo de Mário Soares nos idos de finais dos anos 70. Diria que a sua visão é a de um homem de esquerda, mas moderado e realista (digamos, um verdadeiro social-democrata), avesso à imperante demagogia e que lança alertas para se salvar o essencial, prescindindo-se do acessório. Os seus apartes de censura aos políticos e mentalidades aparecem aqui integrados num esboço de análise da sociedade portuguesa e a perspectiva não se reduz, portanto, à denúncia populista. Contudo, não tem pejo em apontar como responsáveis, os sucessivos governos que temos tido. Pelo seu lado, a cidadania também não sai incólume, já que, por exemplo, não abdica dos "direitos adquiridos". Medina Carreira não utiliza muito as etiquetas esquerda e direita, até porque o seu discurso pretende ultrapassar a dimensão política. Tem, aliás, o cuidado de se apresentar como não político e é sempre com enfado que se refere ao mundo da política. Esta acaba por ser , no meu entender, a sua maior limitação. Entre outras coisas, a eficácia das suas propostas torna-se, assim, mais reduzida. É pena, pois este livrinho mostra-nos o que pode ser um excelente esboço de pensamento político para os problemas do nosso país - uma base para uma via de ruptura com o actual sistema. Seja como for, é, pelo menos, uma denúncia sustentada na lógica e na objectividade dos números. Não se pode ficar indiferente.

sábado, 17 de outubro de 2009

La Lupe: Vida de Melodrama

La Lupe (1939-1992)
La Lupe (Guadalupe Victoria Yoli Raymond) distinguiu-se em vários géneros latinos, do bolero à salsa. Tinha um estilo que saltava as convenções. Arrebatado e bravio valeu-lhe epítetos como os de Yiyiyi, Too Much... A escritora Susan Sontag definiu-a como "a primeira punk".
Teve uma vida de culebrón (telenovela). Nascida em Santiago de Cuba, filha de um modesto trabalhador da Bacardi, estudou para ser professora primária. Contudo, escapou a um modesto destino de docente perdida em alguma aldeia da montanhosa província do Oriente. Na verdade, desde cedo manifestou talentos artísticos que não conjugavam com a imagem de educadora, ainda por cima, com uma pose ostensivamente sensual... Quando Castro y sus barbudos desceram da Sierra Maestra já estava na vida artística profissional e havia adquirido notoriedade. De imitadora de Olga Guillot passou a cultivar um estilo pessoal que foi desenvolvendo com o tempo. O título do seu primeiro álbum é significativo: Con el Diablo en el Cuerpo. Em programas televisivos reforçou essa imagem, nomeadamente com os pitorescos vexames que infligia ao seu submisso pianista Homero, como descalçar-se e bater-lhe com um sapato.
Para o seu temperamento era difícil continuar a viver em Cuba. Seguiu a via de muitos artistas cubanos e exilou-se. Depois de uma passagem pelo México, estabeleceu-se em Nova York, onde relançou a carreira graças às possibilidades criadas pela voga dos ritmos latinos. Tornou-se conhecida de todos os públicos em shows televisivos. Explorou o filão das versões latinas de standards como Going out of my Head e Fever ou êxitos emergentes da pop, como Yesterday. Em finais de 60 actuava com a orquestra de Tito Puente e era conhecida como The Queen of Latin Soul.
Os excessos conduziram-na ao declínio a partir dos finais dos anos 70. Esse declínio está marcado por elementos anedóticos e dramáticos. Entre o anedótico temos um incontrolado arrebatamento de rasgar as vestes em certo show televisivo, em directo... Entre o dramático temos a adição a drogas e álcool. Uma tentativa de refazer a vida em Porto Rico apenas acabou por acentuar a decadência. Nos anos 80 levava uma existência miserável no Bronx, esquecida por todos. Viveu então uma rocambolesco cortejo de desgraças: um dia vai parar ao hospital espancada por um ex-marido; outro dia, ao pendurar umas cortinas, cai e fica temporariamente paralisada; outro dia, ainda, a sua habitação é palco de um incêndio. Recupera-se parcialmente de tanta desgraça e adere a uma seita evangélica denominada O Fim Aproxima-se! Nos últimos anos de vida, até um ataque cardíaco a ter fulminado, dedica-se a pregar o evangelho de porta em porta...
Antes de desaparecer, quando, ironicamente, já renunciara à vida artística em prol da regeneração espiritual, alguém a resgatou do esquecimento. Foi Pedro Almodóvar, no filme Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, colocando um dos seus temas na banda sonora. O tema é o bolero Puro teatro, do porto-riquenho Tite Curet Alonso. Foi o início do revivalismo de La Lupe. Em Espanha, a rádio começou a divulgar os seus velhos êxitos. Tornou-se, nos anos 90, efémero objecto de culto em certos meios.

Puro Teatro: O Bolero Hardcore (2)


Puro Teatro

Igual que en un escenario
finges tu dolor barato
tu drama no es necesario
ya conozco ese teatro.

Fingiendo,
que bien te queda el papel
después de todo parece
que esa es tu forma de ser.

Yo confiaba ciegamente
en la fiebre de tus besos
mentiste serenamente
y el telón cayo por eso.

Teatro,
lo tuyo es puro teatro
falsedad bien ensayada
estudiado simulacro.

Fue tu mejor actuación
destrozar mi corazón
y hoy que me lloras de veras
recuerdo tu simulacro.

Perdona que no te crea
me parece que es teatro.

(Hablado)
Y acuerdate que segun tu punto de vista,
yo soy la mala.

Teatro,
lo tuyo es puro teatro
falsedad bien ensayada
estudiado simulacro.

Fue tu mejor actuación
destrozar mi corazón
y hoy que me lloras de veras
recuerdo tu simulacro.

Perdona que no te crea
me parece que es teatro
perdona que no te crea
lo tuyo es puro teatro.
Tite Curet Alonso

Puro Teatro: O Bolero Hardcore (1)

La Lupe - Laberinto de Pasiones (1992)
CD - Apreciação: 7, 5 / 10
Este álbum foi editado no mercado espanhol em plena onda revivalista de La Lupe, onda que foi impulsionada por um dos filmes de Almodóvar, que incluiu o bolero Puro Teatro na banda sonora. Tem um texto do jornalista Diego Manrique que resume a acidentada vida da artista. É uma antologia que inclui os temas mais conhecidos: três boleros de Tite Curet Alonso: Fijense, La Tirana e Puro teatro. Destaque-se ainda o bolero Que te Pedí, dois bogaloos (Fever e Que Bueno Boogaloo), assim como a famosa guajira Guantanamera. Acima de todos paira, de facto, Puro teatro. Discorre sobre uma letra que se desenvolve como insulto inspirado pelo despeito amoroso, ao estilo canalha de Curet Alonso. Em cima disso (que já não é pouco...) temos a interpretação arrebatada, bem ao jeito de descaradona mulata cubana e que consiste numa tonalidade vociferante que carrega as cores de denso melodrama. Os boleros de La Lupe são de uma classe especial: violentos, febris. Puro Teatro é o melhor exemplo. É, digamos, o must do hardcore bolero.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Fim de Ciclo Eleitoral: Saldo

As eleições europeias, com tanta abstenção, amplificaram a voz dos descontentes. As legislativas e autárquicas acabaram por corrigir o cenário. Findo o ciclo eleitoral, o saldo é menos desfavorável para Sócrates do que se chegou a dar como certo. Sai com menos perdas do que o PSD. A postura séria de Manuela Ferreira-Leite não obteve os resultados que merecia. No PSD abre-se assim, de novo, caminho para derivas populistas, a não ser que haja alguma agradável surpresa (quem me dera Rui Rio...!). Por outro lado, quanto a Cavaco Silva na presidência, a inépcia recente não o coloca em condições de prestar ajuda eficaz.
Portanto, sucede que, mesmo depois de tantos ataques, infelizmente, Sócrates ainda está de pé. Logo, sai vencedor. Em certa medida, reforça a sua autoridade. É certo que fica constrangido a governar em minoria, mas na certeza de que as oposições, se se atreverem inviabilizar a governação, abrem via directa para eleições antecipadas. Nesse cenário, sabe-se que o eleitorado costuma castigar quem derruba e recompensar a vítima. Em todo o caso, é provável que reentre mais encostado à esquerda, relançando causas fracturantes que seduzem a esquerda alta e que... colidem com as bases da civilização (esta última inquietação, desgraçadamente, só é partilhada por mais meia dúzia de lunáticos demodés...).
Entre os pequenos partidos só há um vencedor: o CDS-PP. Aliás, podem abrir-se horizontes ainda mais risonhos para Paulo Portas se campear prolongada confusão no PSD. O Bloco de Esquerda inchou com o voto de protesto de muito professorado (não tanto como cheguei a temer). Seja como for, as recentes eleições autárquicas deixaram a nu a precariedade de tal crescimento. O PCP perdeu em todas as frentes - é, enfim, o caminho inexorável da decadência.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Video de Maitê

É certo que o video de Maitê é um pouco ignóbil, um tanto boçal, mas parece-me que, absurdamente, se está a transformar o assunto em casus belli. Que exagero! Além disso, Maitê já apresentou desculpas e, por outro lado, aludiu algo que talvez não deixe de ser pertinente: uma certa falta de humor entre nós... Esta hipersensibilidade nacional é sintoma de um incurável complexo de inferioridade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

El Cantante de los Cantantes


León Ichaso - El Cantante (2006)
DVD Apreciação: 6,0 / 10
El Cantante, como filme, não é nada de especial, mas vale pela música e pela informação. Essa bela estampa de mulher que é Jennifer López e o seu marido Marc Anthony não têm aqui grandes desempenhos. A realização também não parece acertada no ritmo da acção. A história é um pouco desconexa e tudo redunda num videoclip contínuo. Até certo ponto ainda bem, pois a música é boa... Trata-se de salsa. Marc Anthony é um bom sonero (cantor de salsa) e a produção musical corre por conta de Willie Colón, figura maior do universo salsero, que escolhe um repertório magnífico.
Sucede que o filme propõe-se reconstituir a vida daquele que foi o maior
sonero de sempre, Héctor Lavoe. Era porto-riquenho radicado em Nova York desde meados dos anos 60. Como vocalista da banda de Willie Colón tornou-se um mito. De tal modo que foi apodado El Cantante de los Cantantes. Aliás, um acerto desta edição em DVD é pôr na banda sonora do menu a voz o próprio Lavoe cantando Periódico de Ayer. O filme volta a pô-la no genérico final com o mesmo tema e outros também famosos. Pelo meio ficam as versões de Marc Anthony.
Mas o mito não se deve apenas a dons artísticos. Lavoe teve uma vida trágica. Morreu de
SIDA, no final de uma decadência marcada por consumo de drogas e tentativas de suicídio. O filme não consegue atingir densidade dramática ao abordar esses momentos. Por outro lado, Marc Anthony, no papel de Lavoe, faz o que pode para se parecer com ele, mas a sua voz não se aproxima, evidentemente, daquele timbre inconfundível, além de que tem uma figura que não se ajusta à sua imagem decadentista. Em todo caso, registe-se a intenção de homenagem, a boa música e o contributo para se entender o caldo de cultura de onde emerge a salsa, essa simbiose de ritmos de Porto Rico e Cuba com epicentro em Nova York.