quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Longo Relato do Horror

Martin Gilbert - A Segunda Guerra Mundial [Second World War (1989)]
Livro Apreciação: 7,5 / 10
Faz 70 anos que começou a II Guerra Mundial. A efeméride tem suscitado edições de variado material alusivo. Edições e, como parece ser o caso deste livro, também reedições. Seja como for, a edição original, em inglês, é de 1989. Ou seja, saiu aquando do cinquentenário do início da Guerra.
Martin Gilbert é o autor de uma monumental biografia de Wiston Churchill. A sua área é a história política britânica do século XX. De um modo que é relativamente frequente na historiografia anglo-saxónica, tem sido, sobretudo, um biógrafo e um cronista. Neste caso dedica-se a fazer uma crónica exaustiva, que pouco mais é do que uma cronologia detalhada. É ideal para quem quiser ter uma perspectiva factual, que dê uma noção precisa de como a guerra foi evoluindo. Contudo, não fornece perspectivas de análise a nível político ou, sequer, estritamente militar. O que não quer dizer que não existam observações analíticas, só que ao sabor do desfiar factual. De modo que diríamos que é uma cronologia detalhada e comentada, sendo adequada para motivar posterior contacto com obras de maior fôlego analítico e interpretativo. Reforçando o seu valor informativo, é de notar que possui muitos mapas e algumas fotos.
Tendo assim um carácter limitado nos seus propósitos, o que confere a esta obra um interesse acrescido é salientar os factos em que os protagonistas são as vítimas dos actos mais criminosos que a humanidade conheceu. Faz desfiar uma infindável relação de barbaridades que ultrapassam o que a moral e a razão podem suportar. É certo que já se sabe, mas sempre que há oportunidade para aprofundar o conhecimento do que já se sabe, o horror é revivido de forma mais forte. Percebe-se através desta crónica que o ódio racial foi sempre o centro da ideologia nazi a ponto de ter condicionado o desenrolar da guerra. Por isto esta guerra é diferente de todas as demais. O Holocausto não foi um acidente de guerra; foi um dos grandes objectivos da guerra por parte de quem a desencadeou.
É pena que, seja devido à tradução, seja devido ao registo do próprio original, haja repetições de factos e que a sua arrumação aqui e ali deixe um pouco a desejar. Por outro lado, é evidente que é da responsabilidade de tradução, por exemplo, não converter milhas para quilómetros, o que para a generalidade dos leitores menos familiarizados com o sistema de medidas britânico se revela, no mínimo, como um desleixo antipático e incompreensível.

domingo, 15 de novembro de 2009

Memórias na História

Eric Hobsbawm - Tempos Interessantes - Uma Vida no Século XX [Interesting Times - A Twentieh-Century Life (2005)]

Livro - Apreciação: 9,0 / 10
Eric Hobsbawm é um famoso historiador, autor de A Era das Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Extremos - tríptico que vai desde finais do século XVIII até aos tempos actuais. Outras obras suas, como Primitive Rebels (sobre a origem da Máfia) e The Jazz Scene, atestam também o seu interesse por temas originais. Além disso, escreve de forma atractiva.
Hobsbawm foi sempre comunista e ainda reivindica sê-lo, o que suscita um lastro sensacionalista nos media. É, enfim, o estranho caso do velho historiador que é comunista e inglês, ainda por cima, acrescente-se... sir. É com este estereótipo que é introduzido ao grande público. Não se esquivando, Hobbsbawm reserva nestas memórias muitas reflexões sobre a sua condição de comunista. Regra geral, a análise concreta do comunismo é correcta e em questões polémicas não se exime à postura de honestidade intelectual. Com algum pesar, é certo, reconhece que foi uma coisa medonha (nunca utiliza este termo ou algum análogo, note-se). É o que faz em relação ao estalinismo, à invasão da Hungria e à sua experiência de uma visita à União Soviética. Porém, não retira as conclusões lógicas que daí decorrem. Ou seja, reconhecendo a contra-gosto que as sociedades comunistas foram más, não toma o passo que tantos, chegando à mesma conclusão, tarde ou cedo, acabaram por tomar. Permaneceu. Mais, orgulha-se disso. Parece possuído pela obstinação (e gozo) do último dos mohicanos... Em última análise, diz que o faz por superior respeito pelo que representam os ideais da Revolução de Outubro. Porém, escusado será dizer que é criticado por muitos que entendem que, na melhor das hipóteses, o faz por pedantismo ou casmurrice. Contudo, nestas memórias há constantes provas de honestidade intelectual. Nas alusões aos ideais da Revolução de Outubro descortino incapacidade de renúncia à utopia que sustentou as grandes opções da sua vida, assim como um profundo inconformismo. Este posicionamento, mesmo em relação a uma experiência desacreditada, não é necessariamente desqualificador e pode ser útil. É óbvio que a sociedade globalizada em que vivemos tem gravíssimos problemas. Nada justifica, mesmo para os que, como eu, acreditam que este é o modelo menos mau de sociedade possível, um discurso triunfalista sobre o fim das ilusões utópicas do século XX.
Nestas memórias, Hobsbawm olha para a sua própria vida com olhos de historiador. Utiliza-a como um objecto de análise ao serviço da história. O subtítulo é, portanto, fidedigno. São cruciais os primeiros capítulos, sobre a sua infância e juventude, sucessivamente em Viena e Berlim. Nesta última cidade, ainda adolescente, faz-se comunista para sempre - não num momento e lugar qualquer, mas quando os nazis assaltam o poder, no convulsivo olho de furacão que era então Berlim. As descrições são elucidativas da dimensão do que lhe coube presenciar. A sua origem de judeu centro-europeu acabou por lhe dar a possibilidade de se mover em três culturas: judaica, germânica e inglesa. Quiseram as circunstâncias que esta última acabasse por se sobrepor. O jovem judeu errante centro-europeu, quase apátrida, tornar-se-ia um académico britânico. Mas, em certa medida, muito pouco british... As suas paixões saltam constantemente para o lado de cá da Mancha, para França, Itália e Espanha. Hobsbawm adora estes três países, sobretudo a França (é um francófilo, nostálgico da França jacobina...). A partir de experiências pessoais soltas, desenha uma síntese informal que é preciosa para compreender a evolução destas sociedades.
Em suma, a discussão sobre a reivindicação da condição de comunista não pode obscurecer a riqueza destas memórias que são um grande testemunho sobre o século XX.

sábado, 14 de novembro de 2009

México Profundo


Paquita la del Barrio - Taco Placero (2001)
CD - Apreciação: 7,5 / 10
A notoriedade de Paquita la del Barrio adveio da interpretação de temas com letras que são um discurso de imprecações anti-machistas numa tónica desbragada, às vezes parodiando com alusões de cariz sexual. É curioso, pois parece que se transfigura quando canta, sendo, fora do palco, do mais discreto e convencional. Além desta nota pícara, há uma outra não menos marcante: o estilo musical que sustenta discurso e pose, o qual oscila entre cabaret e mariachi, mas sempre em plano demodé. A maior parte dos temas com letras pícaras são da autoria de Manuel Eduardo Toscano. Supõe-se que, para além da inspiração de autor, deve haver nas tradições populares mexicanas um vasto campo inspirador para tão corrosivo "escárnio e maldizer"... Mas Paquita insere-se também numa linha mais convencional como demonstra a parte, de facto, dominante no seu repertório, que é constituída por clássicos rancheros.
Este álbum inclui dois dos mais carismáticos temas de Manuel Eduardo Toscano - Taco Placero e Rata de Dos Patas - este último é um bizarro desfiar de insultos soezes. Do mesmo autor, deve-se também mencionar Nadie Perdona el Éxito, que é uma imprecação contra os invejosos. Contudo, sem perder de vista a mais-valia da chancela de Toscano, quem é apreciador de rancheras valorizará também a interpretação de temas convencionais. É o caso do clássico Paloma Negra, interpretado com a contundência expressiva que é bem peculiar a Paquita. O culto em torno desta diva, em contra-tendência com modelos dominantes, não deve, portanto, ignorar os seus intrínsecos méritos de intérprete de rancheras.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Deprimente Lucidez

Medina Carreira / Eduardo Dâmaso - Portugal que Futuro? (2009)
Livro Apreciação: 8,5 / 10
Deprimente não é a lucidez da análise, como é evidente. Deprimente é a realidade alvo da análise. As intervenções de Medina Carreira em programas televisivos têm sido contrastantes com o clima em que se tem vivido no país. Tais intervenções têm denunciado a política seguida pelos governos das duas últimas décadas. O problema, diz-nos o fiscalista, põe-se em termos económicos básicos: insuficientes taxas de crescimento económico; carga fiscal no limite; endividamento crescente do estado, das empresas e das famílias. Não se tem feito nada de consequente para inverter a situação. Pior: poucos têm consciência do problema. Os mais atentos têm referenciado Medina Carreira como alguém que se atreve a dizer "o rei vai nu".
Este livrinho em género de entrevista (o jornalista é Eduardo Dâmaso) permite conhecer mais detalhadamente a tese de Medina Carreira. Desde logo, ajuda a perceber que acredita no estado social e é, precisamente, para garantir a sua perseveração que lança alertas. A situação chegou, no seu entender, a um tal ponto de degradação que poder vir a gerar tensões sociais graves. Ou seja, ao contrário do que se possa pensar, não é um "abominável neo-liberal" - aliás, convém ter em conta o seu passado de ministro das finanças num governo de Mário Soares nos idos de finais dos anos 70. Diria que a sua visão é a de um homem de esquerda, mas moderado e realista (digamos, um verdadeiro social-democrata), avesso à imperante demagogia e que lança alertas para se salvar o essencial, prescindindo-se do acessório. Os seus apartes de censura aos políticos e mentalidades aparecem aqui integrados num esboço de análise da sociedade portuguesa e a perspectiva não se reduz, portanto, à denúncia populista. Contudo, não tem pejo em apontar como responsáveis, os sucessivos governos que temos tido. Pelo seu lado, a cidadania também não sai incólume, já que, por exemplo, não abdica dos "direitos adquiridos". Medina Carreira não utiliza muito as etiquetas esquerda e direita, até porque o seu discurso pretende ultrapassar a dimensão política. Tem, aliás, o cuidado de se apresentar como não político e é sempre com enfado que se refere ao mundo da política. Esta acaba por ser , no meu entender, a sua maior limitação. Entre outras coisas, a eficácia das suas propostas torna-se, assim, mais reduzida. É pena, pois este livrinho mostra-nos o que pode ser um excelente esboço de pensamento político para os problemas do nosso país - uma base para uma via de ruptura com o actual sistema. Seja como for, é, pelo menos, uma denúncia sustentada na lógica e na objectividade dos números. Não se pode ficar indiferente.

sábado, 17 de outubro de 2009

La Lupe: Vida de Melodrama

La Lupe (1939-1992)
La Lupe (Guadalupe Victoria Yoli Raymond) distinguiu-se em vários géneros latinos, do bolero à salsa. Tinha um estilo que saltava as convenções. Arrebatado e bravio valeu-lhe epítetos como os de Yiyiyi, Too Much... A escritora Susan Sontag definiu-a como "a primeira punk".
Teve uma vida de culebrón (telenovela). Nascida em Santiago de Cuba, filha de um modesto trabalhador da Bacardi, estudou para ser professora primária. Contudo, escapou a um modesto destino de docente perdida em alguma aldeia da montanhosa província do Oriente. Na verdade, desde cedo manifestou talentos artísticos que não conjugavam com a imagem de educadora, ainda por cima, com uma pose ostensivamente sensual... Quando Castro y sus barbudos desceram da Sierra Maestra já estava na vida artística profissional e havia adquirido notoriedade. De imitadora de Olga Guillot passou a cultivar um estilo pessoal que foi desenvolvendo com o tempo. O título do seu primeiro álbum é significativo: Con el Diablo en el Cuerpo. Em programas televisivos reforçou essa imagem, nomeadamente com os pitorescos vexames que infligia ao seu submisso pianista Homero, como descalçar-se e bater-lhe com um sapato.
Para o seu temperamento era difícil continuar a viver em Cuba. Seguiu a via de muitos artistas cubanos e exilou-se. Depois de uma passagem pelo México, estabeleceu-se em Nova York, onde relançou a carreira graças às possibilidades criadas pela voga dos ritmos latinos. Tornou-se conhecida de todos os públicos em shows televisivos. Explorou o filão das versões latinas de standards como Going out of my Head e Fever ou êxitos emergentes da pop, como Yesterday. Em finais de 60 actuava com a orquestra de Tito Puente e era conhecida como The Queen of Latin Soul.
Os excessos conduziram-na ao declínio a partir dos finais dos anos 70. Esse declínio está marcado por elementos anedóticos e dramáticos. Entre o anedótico temos um incontrolado arrebatamento de rasgar as vestes em certo show televisivo, em directo... Entre o dramático temos a adição a drogas e álcool. Uma tentativa de refazer a vida em Porto Rico apenas acabou por acentuar a decadência. Nos anos 80 levava uma existência miserável no Bronx, esquecida por todos. Viveu então uma rocambolesco cortejo de desgraças: um dia vai parar ao hospital espancada por um ex-marido; outro dia, ao pendurar umas cortinas, cai e fica temporariamente paralisada; outro dia, ainda, a sua habitação é palco de um incêndio. Recupera-se parcialmente de tanta desgraça e adere a uma seita evangélica denominada O Fim Aproxima-se! Nos últimos anos de vida, até um ataque cardíaco a ter fulminado, dedica-se a pregar o evangelho de porta em porta...
Antes de desaparecer, quando, ironicamente, já renunciara à vida artística em prol da regeneração espiritual, alguém a resgatou do esquecimento. Foi Pedro Almodóvar, no filme Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, colocando um dos seus temas na banda sonora. O tema é o bolero Puro teatro, do porto-riquenho Tite Curet Alonso. Foi o início do revivalismo de La Lupe. Em Espanha, a rádio começou a divulgar os seus velhos êxitos. Tornou-se, nos anos 90, efémero objecto de culto em certos meios.

Puro Teatro: O Bolero Hardcore (2)


Puro Teatro

Igual que en un escenario
finges tu dolor barato
tu drama no es necesario
ya conozco ese teatro.

Fingiendo,
que bien te queda el papel
después de todo parece
que esa es tu forma de ser.

Yo confiaba ciegamente
en la fiebre de tus besos
mentiste serenamente
y el telón cayo por eso.

Teatro,
lo tuyo es puro teatro
falsedad bien ensayada
estudiado simulacro.

Fue tu mejor actuación
destrozar mi corazón
y hoy que me lloras de veras
recuerdo tu simulacro.

Perdona que no te crea
me parece que es teatro.

(Hablado)
Y acuerdate que segun tu punto de vista,
yo soy la mala.

Teatro,
lo tuyo es puro teatro
falsedad bien ensayada
estudiado simulacro.

Fue tu mejor actuación
destrozar mi corazón
y hoy que me lloras de veras
recuerdo tu simulacro.

Perdona que no te crea
me parece que es teatro
perdona que no te crea
lo tuyo es puro teatro.
Tite Curet Alonso

Puro Teatro: O Bolero Hardcore (1)

La Lupe - Laberinto de Pasiones (1992)
CD - Apreciação: 7, 5 / 10
Este álbum foi editado no mercado espanhol em plena onda revivalista de La Lupe, onda que foi impulsionada por um dos filmes de Almodóvar, que incluiu o bolero Puro Teatro na banda sonora. Tem um texto do jornalista Diego Manrique que resume a acidentada vida da artista. É uma antologia que inclui os temas mais conhecidos: três boleros de Tite Curet Alonso: Fijense, La Tirana e Puro teatro. Destaque-se ainda o bolero Que te Pedí, dois bogaloos (Fever e Que Bueno Boogaloo), assim como a famosa guajira Guantanamera. Acima de todos paira, de facto, Puro teatro. Discorre sobre uma letra que se desenvolve como insulto inspirado pelo despeito amoroso, ao estilo canalha de Curet Alonso. Em cima disso (que já não é pouco...) temos a interpretação arrebatada, bem ao jeito de descaradona mulata cubana e que consiste numa tonalidade vociferante que carrega as cores de denso melodrama. Os boleros de La Lupe são de uma classe especial: violentos, febris. Puro Teatro é o melhor exemplo. É, digamos, o must do hardcore bolero.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Fim de Ciclo Eleitoral: Saldo

As eleições europeias, com tanta abstenção, amplificaram a voz dos descontentes. As legislativas e autárquicas acabaram por corrigir o cenário. Findo o ciclo eleitoral, o saldo é menos desfavorável para Sócrates do que se chegou a dar como certo. Sai com menos perdas do que o PSD. A postura séria de Manuela Ferreira-Leite não obteve os resultados que merecia. No PSD abre-se assim, de novo, caminho para derivas populistas, a não ser que haja alguma agradável surpresa (quem me dera Rui Rio...!). Por outro lado, quanto a Cavaco Silva na presidência, a inépcia recente não o coloca em condições de prestar ajuda eficaz.
Portanto, sucede que, mesmo depois de tantos ataques, infelizmente, Sócrates ainda está de pé. Logo, sai vencedor. Em certa medida, reforça a sua autoridade. É certo que fica constrangido a governar em minoria, mas na certeza de que as oposições, se se atreverem inviabilizar a governação, abrem via directa para eleições antecipadas. Nesse cenário, sabe-se que o eleitorado costuma castigar quem derruba e recompensar a vítima. Em todo o caso, é provável que reentre mais encostado à esquerda, relançando causas fracturantes que seduzem a esquerda alta e que... colidem com as bases da civilização (esta última inquietação, desgraçadamente, só é partilhada por mais meia dúzia de lunáticos demodés...).
Entre os pequenos partidos só há um vencedor: o CDS-PP. Aliás, podem abrir-se horizontes ainda mais risonhos para Paulo Portas se campear prolongada confusão no PSD. O Bloco de Esquerda inchou com o voto de protesto de muito professorado (não tanto como cheguei a temer). Seja como for, as recentes eleições autárquicas deixaram a nu a precariedade de tal crescimento. O PCP perdeu em todas as frentes - é, enfim, o caminho inexorável da decadência.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Video de Maitê

É certo que o video de Maitê é um pouco ignóbil, um tanto boçal, mas parece-me que, absurdamente, se está a transformar o assunto em casus belli. Que exagero! Além disso, Maitê já apresentou desculpas e, por outro lado, aludiu algo que talvez não deixe de ser pertinente: uma certa falta de humor entre nós... Esta hipersensibilidade nacional é sintoma de um incurável complexo de inferioridade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

El Cantante de los Cantantes


León Ichaso - El Cantante (2006)
DVD Apreciação: 6,0 / 10
El Cantante, como filme, não é nada de especial, mas vale pela música e pela informação. Essa bela estampa de mulher que é Jennifer López e o seu marido Marc Anthony não têm aqui grandes desempenhos. A realização também não parece acertada no ritmo da acção. A história é um pouco desconexa e tudo redunda num videoclip contínuo. Até certo ponto ainda bem, pois a música é boa... Trata-se de salsa. Marc Anthony é um bom sonero (cantor de salsa) e a produção musical corre por conta de Willie Colón, figura maior do universo salsero, que escolhe um repertório magnífico.
Sucede que o filme propõe-se reconstituir a vida daquele que foi o maior
sonero de sempre, Héctor Lavoe. Era porto-riquenho radicado em Nova York desde meados dos anos 60. Como vocalista da banda de Willie Colón tornou-se um mito. De tal modo que foi apodado El Cantante de los Cantantes. Aliás, um acerto desta edição em DVD é pôr na banda sonora do menu a voz o próprio Lavoe cantando Periódico de Ayer. O filme volta a pô-la no genérico final com o mesmo tema e outros também famosos. Pelo meio ficam as versões de Marc Anthony.
Mas o mito não se deve apenas a dons artísticos. Lavoe teve uma vida trágica. Morreu de
SIDA, no final de uma decadência marcada por consumo de drogas e tentativas de suicídio. O filme não consegue atingir densidade dramática ao abordar esses momentos. Por outro lado, Marc Anthony, no papel de Lavoe, faz o que pode para se parecer com ele, mas a sua voz não se aproxima, evidentemente, daquele timbre inconfundível, além de que tem uma figura que não se ajusta à sua imagem decadentista. Em todo caso, registe-se a intenção de homenagem, a boa música e o contributo para se entender o caldo de cultura de onde emerge a salsa, essa simbiose de ritmos de Porto Rico e Cuba com epicentro em Nova York.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Camarón, uma Lenda


Camarón de la Isla - La Leyenda del Tiempo (1979)
CD - Apreciação: 8,0 / 10

Camarón de la Isla (José Monge Cruz) foi a última grande figura do flamenco. A sua morte prematura cortou abruptamente uma carreira fulgurante, alcandorando-o à categoria de mito. Tinha uma voz genuinamente flamenca, bem servida de garra. Além disso, a sua carreira assinalou alguns marcos na evolução do flamenco. Com efeito, esteve presente em projectos inovadores, ao lado de guitarristas como Paco de Lucía e Tomatito; deu a sua voz à experiência de pôr poemas de Federico García Lorca em acordes flamencos, como sucedeu com La Leyenda del Tiempo, o tema que dá título a este álbum. É uma gravação emblemática na afirmação do nuevo flamenco, pelo que significou de ruptura em arranjos instrumentais. Se já anteriormente, com Paco de Lucía, havia sinais inovadores, sob a orientação do produtor Ricardo Pachón tem aqui ousadias radicais. Envereda-se por uma linha de fusão com rock, que doravante não voltará a ser retomada tão nitidamente. Além do já mencionado tema, destaque-se ainda Volando Voy, uma espécie de rumba psicadélica e o mais tradicionalista mas intenso Bahía de Cádiz, umas alegrías cuja contida modernidade é conferida pelo teclado de órgão e uma bateria sublinhando o compasso das palmas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ceará - Andaluzia

Raimundo Fagner - Traduzir-se, Traducir-se (1981)
CD - Apreciação: 7,5 / 10


Que relação pode haver entre o Brasil e o flamenco? É óbvio que pouca. Contudo, o cearense Raimundo Fagner faz aqui um álbum que pode ser catalogado como nuevo flamenco. De facto, em rigor, isto é válido para cerca de metade dos temas. O resto é um repertório mais próprio de Fagner, mas com uma incursão invulgar: o poema de Florbela Espanca, Fanatismo, que, aliás, é o tema de abertura e com aparato...
É um álbum mestiço, mas dominado por um astral flamenco, eloquentemente enunciado pela pose de Fagner na foto da capa, com sombrero andaluz, em plena Plaza Mayor de Madrid (só faltava em vez do cigarro, um puro...). Parte dele foi produzido e gravado em Madrid, com a participação de Mercedes Sosa, Manzanita, Joan Manuel Serrat e Camarón de la Isla. Todos interpretam duetos com Fagner em temas marcantes das suas carreiras: Mercedes Sosa - Años (de Pablo Milanés); Manzanita - Verde (de Lorca); Serrat - La Saeta (de Antonio Machado); Camarón - La Leyenda del Tiempo (de Lorca). Diga-se que algumas destas versões talvez superem os originais... Mas não fica por aqui. Trianera é um tema de ressonâncias flamencas que se estende por mais de sete minutos, quase em roda livre.
Fagner nasceu no Ceará e é filho de um libanês e de uma índia. Para o Nordeste nos finais do século XIX e inícios do século XX afluiram imigrantes da Turquia, Síria e Líbano, popularmente conhecidos como turcos ou mascates (não esquecer seu Nacib, de Gabriela...). O cantor justifica a sua atracção pelo flamenco, pela ascendência paterna. É uma crença muito difundida essa, a das influência árabe no cante, mas, na verdade, ela foi menor do que se possa crer... O certo é que a sua voz desgarrada se adapta bem ao género e que esse sua aptidão e gosto proporcionou um álbum original.

sábado, 19 de setembro de 2009

Doce Viver


Emílio Santiago - Bossa Nova (2000)
CD - Apreciação: 6,5 / 10

A música brasileira teve sempre ampla difusão por cá. Contudo, a popularidade alcançada deste lado do Atlântico nem sempre é proporcional à da origem. É este o caso de Emílio Santiago, um intérprete negro. Apesar das fortes influências africanas na música brasileira, os negros não abundam tanto quanto se poderia esperar na
MPB.... Nos anos 60 e 70 destacou-se Jair Rodrigues; nos anos 70 e 80, Milton Nascimento e Gilberto Gil; nos anos 80 e 90, Djavan. Em todo o caso, estes protagonistas não têm nas suas vozes o travo distintivo da negritude como sucede com Emílio Santiago. Ora, a voz quente e aveludada deste cantor combina magnificamente com a bossa nova e o samba-canção e não surpreende, portanto, que no seu repertório haja constantes incursões nestes géneros.
Nos finais do anos 80 e início dos anos 90 Emílio Santiago editou vários álbuns que constituíram a série Aquarela Brasileira, onde se espraiou por clássicos da bossa e do samba-canção. Foi um filão nostálgico, comercialmente compensador. Sucede que esses álbuns eram interessantes pela matéria-prima e pela voz, mas algo limitados pelo conceito e orquestrações. A sistemática utilização do medley e de arranjos convencionais eram a sua imagem de marca. Em contrapartida, os últimos álbuns já reflectem conceitos de produção mais refinados. É o caso deste. Continua a explorar a linha nostálgica, mas de um modo temático coerente, orientado para a bossa-nova, com orquestrações sofisticadas que envolvem da melhor forma o veludo quente da voz. São todos temas conhecidos e alguns consagrados. Não se pretende fazer nada de original, mas apenas refazer pela enésima vez, com virtuosismo e glamour, a conhecida receita dos génios criadores da bossa-nova, mas com uma voz que acrescenta algo... É uma fórmula que permite saborear o que se pode traduzir pelo título da mais soberba das peças aqui incluídas, Doce Viver, de Nelson Motta.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Brasil, Anos 50


Uma velha revista de 1959 deu-me, era eu miúdo, uma imagem do Brasil que conservei para sempre, apesar de contraditada pelo que fui sabendo ao longo da vida. Como revista de propaganda, enaltecia o país, através de dados estatísticos e fotografias. Mas tinha material informativo que valia por si. Gostava dessa informação e, por outro lado, impressionavam-me as imagens das cidades e, em particular, dos arranha-céus. As páginas finais sobre Brasília, em vias de de se tornar a nova capital, reforçavam a imagem de modernidade. Numa página uma foto do Palácio Presidencial da Alvorada, noutra, a foto do Presidente Kubitschek de Oliveira a assinar a lei que fixava a data da transferência da capital. Era o remate de uma ideia de progresso. Não é tão despropositada esta visão. De facto, do que fui aprendendo ao longo da vida sobre o Brasil retive um dado. Os anos 50 e a primeira metade dos anos 60 foram anos felizes para este país. Havia uma classe média relativamente próspera, a liberdade própria de uma sociedade aberta e tolerante e optimismo. Não por acaso, talvez, foi o tempo da 1ª Copa do Mundo (a da Suécia) e do aparecimento da Bossa Nova. Dir-se-ia que, desde esse tempo, houve um retrocesso...

domingo, 6 de setembro de 2009

Um Outro Brasil

Erico Veríssimo - O Tempo e o Vento (1949)

Livro - Apreciação: 8,5 / 10
Em finais dos anos 80 a TV Globo realizou uma excelente série baseada neste romance. É a mais conhecida obra de Erico Veríssimo - uma história que se desenrola ao longo de gerações, desde finais do século XVIII até ao século XX. O tema é a construção da sociedade gaúcha, ilustrada numa localidade do interior montanhoso do estado mais meridional do Brasil, Rio Grande do Sul. Este é um Brasil menos conhecido, diferente do Brasil tropical e colonial. Foi construído numa zona de fronteira, em que os obstáculos eram de natureza humana e não naturais. Tem afinidades com o Uruguai e Argentina e algumas marcantes especificidades. Juntamente com o vizinho estado de Santa Catarina e com o Paraná faz parte da região mais europeia do Brasil. A imigração veio em grande número da Itália e Alemanha. Se exceptuarmos certas zonas do litoral (Canoas, por exemplo), a imigração portuguesa é menor e quase exclusivamente açoriana. Não por acaso foi aqui que surgiu a mais séria tentativa separatista - a Guerra do Farroupilha, na qual participou o italiano Garibaldi, herói do Rissorgimento.
O romance descreve-nos uma sociedade violenta que se forjou a luta individual contra circunstâncias adversas, como as guerras fronteiriças entre o poder colonial espanhol e o poder colonial português. A criação de gado foi o pilar em que assentou esta cultura, conhecida de ambos os lados da fronteira como gaúcha. O cenário e as situações fazem lembrar o Far West. À rudeza dessa forma de vida acresce uma peculiar mestiçagem, onde os índios, preservados em missões jesuítas, tiveram alguma importância. Este romance introduz-nos nesse outro Brasil, que chega até nós por via dos popularizados restaurantes de rodízio. Já agora, chimarrão é o nome de uma bebida genuinamente gaúcha, um dos seus ex-libris identificadores.

sábado, 5 de setembro de 2009

Testemunho da MPB (2)

Vários - Noites Tropicais (2000)

CD - Apreciação: 6,5 / 10
Noites Tropicais tem um correspondente em duplo CD. É a melhor antologia da MPB que conheço - são muitos os grandes temas aqui incluídos, os quais cobrem todas as fases e tendências. Apropriadamente o primeiro tema é o mítico Desafinado, de João Giberto, mas, de facto, ao longo dos dois CDs há oportunidade para nos espraiarmos pelas várias tendências da MPB e para, inclusivamente, nos adentramos em algo muito menos interessante, mas importante, o rock brasileiro. Além do mais, a apresentação é soberba e está graficamente ajustada ao livro. O objectivo de funcionarem em complemento foi atingido.

Testemunho da MPB (1)

Nelson Motta - Noites Tropicais (2000)
Livro - Apreciação: 7,0 / 10
Nelson Motta é um jornalista e escritor brasileiro que participava num programa de tertúlia de Rede Globo, Mannattham Connection, feito a partir de Nova York. Com mais dois compatriotas abordavam temas variados, tendo como referência o facto de estarem num local privilegiado para observar o mundo. Chegou a ser emitido no canal que então a Globo tinha na TV Cabo. Poucos programas pude ver, mas deu para perceber a verve e argúcia dos tertulianos. Algumas crónicas subordinadas ao mesmo título do programa foram também publicadas no Diário de Notícias.
Nelson Motta é muito conhecido, pois tem uma longa trajectória no mundo artístico, nomeadamente como produtor musical. Este livro de memórias reporta uma experiência ímpar nas origens e desenvolvimento da Música Popular Brasileira (MPB), desde a Bossa Nova até ao rock autóctone, passando por variadas tendências e movimentos. Privou intimamente com alguns dos maiores vultos (foi, por exemplo, amante de Elis Regina) e dá-nos informações que abrangem aspectos da suas vidas íntimas, sem cair na futilidade. Não é frequente que protagonistas deste tipo se disponham a tais testemunhos. É, portanto, um testemunho de privilégio que nos introduz no cerne da história da MPB. Muito em particular, faz-nos sentir o ambiente que nos finais dos anos 50 e ao longo dos 60 criou a Bossa Nova.


Das Vísceras

El Pele / Vicente Amigo - Canto (2003)
CD - Apreciação: 8,0 / 10
Que se poderia esperar da junção destes dois cordobeses, Vicente Amigo e El Pele, respectivamente, uma das melhores guitarras e uma das melhores vozes flamencas da actualidade, senão algo de notável? O que aqui há de moderno é relativamente discreto, mas eficaz. Contudo, o que é decisivo diz respeito à alma do flamenco - há aqui momentos de duende. A voz rasgada de El Pele e o virtuosismo de Vicente Amigo representam em nível eleveado o espírito e da técnica do flamenco e, por isso, neste álbum temos momentos de cante jondo, como no tema 7, Aconteció (Seguirilla). Aí podemos ser conduzidos ao transe através da voz de El Pele, no seu estado mais selvagem, sublinhada pelos acordes da guitarra e pela cadência rítmica da percussão. É uma música que parece sair do interior da terra ou das vísceras do cantor. Este álbum é uma via de aproximação ao flamenco mais puro.

Andaluzia: Paisagens Épicas

Manuel Gutiérrez Aragón / Juan Lebrón / Fernando Olmedo: Andalucía es de Cine
DVD - Apreciação: 8,5 / 10
Na senda aberta por A Vista de Pájaro, série da RTVE que nos anos 80 mostrou a Espanha de helicóptero, surgiram séries análogas, mas com maior detalhe, sobre o País Vasco e Navarra, Catalunha e Galiza. Posteriormente surgiu também esta, sobre a Andaluzia, que tem certas particularidades. Com efeito, esta edição, composta por 10 DVDs, apresenta-se como uma enciclopédia audiovisual. São 250 clips com a duração de 1 minuto e meio, dedicados a uma localidade, comarca ou serra. As mais importantes localidades têm dois ou três clips - é o caso de Sevilha, Granada e das demais capitais de província. Esta organização é desconcertante, mas pode ser entendida em função de um possível conceito de inserção televisiva e pelo carácter enciclopédico da edição. Em todo o caso, o facto de os clips serem apresentados por ordem alfabética e não por um critério temático parece-me um defeito. Contudo, o carácter enciclopédico tem, por outo lado, a vantagem de proporcionar informações complementares como base de dados, mapas de localização e fotografias sobre cada lugar objecto do clip.
A série é também original pela locução e textos. A locução é arrebatada. A música é épica (sempre o mesmo extracto da suite orquestral The Planets, de Gustav Holst). Deve-se dizer que locução e música adequam-se aos textos, da autoria do escritor José Caballero Bonald - são textos de prosa quase poética, cheios de adjectivos. Sob o ponto de vista técnico é um documento extraordinário. A qualidade da fotografia e montagem denotam tecnologia avançada e a mestria do realizador, que é um conhecido cineasta espanhol, Manuel Gutiérrez Aragón. Note-se ainda que não há uma utilização exclusiva de meios aéreos, pois há alguns planos terrestres - uma inovação, tendo em conta os precedentes.
Por fim, uma palavra para a Andaluzia, que proprciona a matéria-prima: pueblos blancos alcandorados em serranias ou pontilhando planícies, entre infindáveis campos de oliveiras ou à beira das marismas (lezírias); montanhas escalavradas ou verdejantes; cidades de encanto e história como Sevilha, Cádiz, Córdova e Granada. É uma região de paisagens épicas pela intensidade das cores e contrastes, o que se ajusta à forma como aqui nos é apresentada.

Hipertensão


La Húngara - Mi Sueño (2009)
CD - Apreciação: 6,0 / 10 Qualificar este CD como de flamenco será acintoso para os amantes do arte jondo. É um produto que vem do extenso e fluído território periférico do flamenco, que poder ser designado como flamenquito. Os acordes de guitarra, o tipo de vocalização e a garra interpretativa permitem estabelecer a filiação.
La Húngara - impossível encontrar lógica para tal pseudónimo - é uma andaluza, de Écija, província de Sevilha. Tem boa voz e uma garra para dar e vender. Já criou um estilo e um vasto conjunto de
fans - los hungareros... É um flamenquito assente em artifício techno que jorra pesadamente dos teclados e da percussão. É, um género que não andará longe de poder ser considerado análogo ao nosso pimba, porém, simultaneamente, mais produzido e castiço. No caso de La Húngara, pelo menos neste álbum, deve-se dizer ainda que as letras fogem do convencional. Na verdade, embora sem especial valor lírico, canta-se o desamor, o despeito e, até, temas socialmente relevantes como a violência doméstica. Mas, acima de tudo, a garra interpretativa de La Húngara é verdadeiramente digna do lugar-comum salero. Diria mesmo, que, com tanto sal, temos hipertensão garantida...

Italian Design

Romy Padovano - I Mille Volte di una Voce (1988)
Livro - Apreciação: 9,0 / 10
Um dos aspectos interessantes do percurso de Mina é a crescente importância que o grafismo foi adquirindo em torno da sua imagem, a ponto de se ter criado uma espécie de iconografia própria. Se desde o início dos anos 70 já era visível o cuidado com as capas dos discos, a partir do seu desaparecimento artístico público, com a limitação da sua actividade à edição anual de um álbum, a dimensão gráfica adquiriu mais imaginação e fantasia. O principal responsável foi o fotógrafo Mauro Belletti.
O material produzido é, em quantidade e qualidade suficiente para poder ser apreciado autonomamente. Pois, este livro é um album da iconografia de Mina, onde os artifícios fotográficos de Mauro Belletti são protagonistas. É um produto de italian design.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Oggi ti amo di più...

Mina - Oggi ti amo di più (1988)
CD Apreciação: 10 /10

Quem pretender adentrar-se na canção italiana deve começar por Mina Ana Mazzini. Desde 1958 que tem percorrido uma extensa carreira com particularidades que se ajustam a uma certa imagem de italianidade... Elegância, versatilidade, teatralidade podem definir tal imagem, incluindo o ponto de mistério que envolve o seu abandono da cena artística desde finais dos anos 70, no auge da popularidade. Contudo, a partir da cidade suíça de Lugano, onde como que se exilou, não deixou de gravar e editar todos os anos. Hoje em dia, poucos artistas terão discografia tão extensa. Tal ausência/presença mitificou-a ainda mais junto do público italiano.
De fora não é fácil aperceber a projecção de Mina em Itália. Ajudará, quanto muito, a memória que alguns ainda terão dos programas musicais da RAI nos anos 60 e inícios de 70, onde Mina era figura de destaque. 
Sob o vigente império do mainstream, como produto exportável, Mina não tem grande viabilidade comercial. Por cá, é difícil encontrar algum CD de Mina. Uma boa iniciação será através de uma antologia, mas as que se conseguem encontrar não cobrem mais do que os anos 60. Ora, sucede que a partir de 1967 Mina passou a gravar para a sua própria editora, PDU, direccionada para o mercado italiano e suíço. A grande maioria da sua discografia é, portanto, desta editora, incluindo as melhores antologias. É claro que um bom minófilo tende a torcer o nariz a qualquer antologia, encontrando motivos de escândalo por se deixar de fora um punhado de temas da sua predilecção. Ainda assim, Oggi ti amo di più é uma das mais consensuais. Basta dizer que começa, com três preciosidades consagradas: Grande, grande, grandeL'Importante e' finireAncora, ancora, ancora - esta última, note-se, nunca saiu em álbum de originais. Tem, ainda, outra mais-valia: a capa. Com efeito, se bem que o esmero visual seja uma constante dos seus álbuns, esta capa é de um invulgar romantismo. Ajusta-se na perfeição ao título, também ele de ressonância romântica.

Campeões Primitivos

Preston North End FC - Primeiro Campeão da Liga Inglesa de Futebol (1888-89)
Estávamos em plena era da Rainha Vitória. O Império Britânico era ainda um império, o mais importante império mundial. Para além da Mancha não se fazia a mais remota ideia do que poderia ser o futebol. Contudo, em certas zonas da Escócia e Inglaterra o futebol já era importante. Tanto que, em 1888, esta modalidade, derivação plebeia do rubgy, estabeleceu-se em Inglaterra como espectáculo profissional e organizado em campeonato por poule de duplo confronto (em terreno próprio e alheio). É certo que era ainda um fenómeno social e geograficamente circunscrito. Dizia respeito à classe operária e a três regiões: Lancashire, West Midlands e East Midlands. Todas os clubes que inauguraram o campeonato eram daí. Não havia nenhum de Londres. Basicamente, a Liga permaneceu com esta configuração até à Grande Guerra (1914-18). Nesta fase adquiriu impacto local e tornou-se um espectáculo proletário dos sábados à tarde. Os primeiros jogadores profissionais eram oriundos do operariado e os valores próprios da cultura operária estavam presentes, tanto quanto o público era maioritariamente operário e os clubes originários do associativismo sindicalista, religioso ou recreativo. Contudo, as classes médias foram aderindo progressivamente. Quanto às classes elevadas os seus desportos de equipa continuaram a ser o cricket e o rugby.
Eis a classificação final da 1º edição da Liga (1888-89):
1 - Preston North End FC - 40
2 - Aston Villa FC - 29
3 - Wolverhampton Wanderers FC - 28
4 - Blackburn Rovers FC - 26
5 - Bolton Wanderers FC - 22
6 - West Bromwich Albion FC - 22
7 - Accrington FC - 20
8 - Everton FC - 20
9 - Burnley FC - 17
10 - Derby County FC - 16
11 - Notts County FC - 12
12 - Stoke FC - 12
Preston é uma cidadezinha do Norte do Lancashire, situada nas margens do rio Ribble, a pouco mais de 40 Km de Manchester e Liverpool. Então, como agora, pouco ultrapassaria os 100.000 habitantes. Na altura era industrial e portuária. Os demais clubes eram também quase todos de pequenas e médias cidades periféricas desta área de Liverpool - Manchester, assim como da área de Birmingham. Porém, dessas cidades, propriamente ditas, só havia dois: Everton FC (Liverpool) e Aston Villa FC (Birmingham), sendo de notar, que ambos ostentavam nomes alusivos ao seu bairro, não à cidade. Curiosamente, os 3 últimos classificados são os únicos de fora dessas áreas.
Com excepção do Accrington FC, todos estes clubes fundadores continuam activos em divisões profissionais. Aliás, metade compete na presente Premier League. Everton FC, Aston Villa FC e Wolverhampton Wanderers FC têm um rico historial competitivo. Quanto ao primitivo campeão, Preston North End FC, se é certo que as suas glórias se limitam a este título, ao título da edição seguinte e à conquista de duas Taças (AF Cup), não é menos certo que ao longo da sua longa história tem levado uma existência modesta mas tranquila. Nas últimas épocas tem militado na League Championship, ou seja, no segundo escalão, tendo vindo a terminar em posições da 1ª metade da tabela. Tem, geralmente, assistências médias por época superiores a 10.000 espectadores por jogo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Vademecum Futbolero

Guía Marca de la Liga 2010
Livro - Apreciação: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
No início de cada época futebolística surgem nas bancas os guias dos campeonatos, apresentando equipas, jogadores e fazendo o ponto da situação com estatísticas. São editadas por jornais ou revistas desportivos. Entre nós, A Bola, Record e O Jogo fazem-no rotineiramente. Por todo o lado onde o futebol tem impacto e recursos é assim. Na Inglaterra, Holanda e Alemanha, por exemplo, não há jornais desportivos, mas há, em contrapartida, revistas dedicadas exclusivamente ao futebol que publicam guias como edições especiais. Contudo, a referência nesta matéria vem de Espanha, mais precisamente do clássico diário desportivo, Marca.
Os Guías Marca de la Liga são, ano após ano, o vademecum, por excelência, do aficionado espanhol mais exigente. O deste ano tem 434 páginas repletas de informação, onde o futebol espanhol está documentado até à exaustão e o mundial devidamente sintetizado. Com efeito, tem a ambição de cobrir o essencial do futebol mundial, propósito em que que só é superado, nomeadamente em registos estatísticos, por publicações como o Almanack of World Football - anuário da FIFA. Nisto, o contraste com o paroquialismo das nossas publicações é chocante. Aliás, em rigor, chocante é a diferença sistemática em quantidade de informação e na forma como é apresentada. O grafismo é não só apelativo como eficaz. A cor, o tipo de letra e outros elementos, devidamente legendados têm significado informativo. Por outro lado, a concepção gráfica aponta claramente para a distinção entre essencial e acessório. O que se nota de forma especial na apresentação do plantel das equipas, onde há trabalho de edição que se distingue do trabalho burocrático de despejar a informação remetida pelas instâncias oficiais.
A Guía Marca de la Liga só não é a perfeição porque, para além de um ou outro erro de detalhe em matéria de futebol fora de Espanha, de resto compreensível, não conseguiu resolver o maior problema que afecta este tipo de publicações: a rápida desactualização da informação sobre a composição de plantéis, tendo em conta a necessidade de sair para as bancas antes do termo do prazo limite de contratações de jogadores.

Anos 60, Rive Gauche: Nino Ferrer

Nino Ferrer - Nino Ferrer (2001)
CD - Apreciação: 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Nino Ferrer nasceu em Génova, Itália, mas fez carreira em França, apesar de ter feito também, marginalmente, uma carreira no seu país natal. Nos anos 60 obteve sucesso com temas como Les cornichons, Agata e Mirza, exemplos da pop frívola desses tempos. Mas, desde o início era patente a sua versatilidade, pelo carácter jazzy de algumas das suas composições e versões, pela sua vocalização em estilo soul e pelo seu talento em compor baladas melódicas. Com efeito, foi o autor de C'ést Irréparable, que sairia do anonimato como Un Anno d'Amore, versão italiana de Mina e, posteriormente, ainda mais, com Luz Casal cantando a versão espanhola, Un ano de amor, num dos filmes de Almodóvar. A partir dos anos 70, procurou caminhos vanguardistas e explorou outras áreas artísticas, como a pintura. Espírito atormentado, acabou por se suicidar, deixando grata memória entre os seus fans.
Esta colectânea ilustra a trajectória da sua carreira francesa. Por aqui se pode ver como evoluiu, de um modo que o levaria a um experimentalismo difícil de definir, mas, em todo o caso, abraçando géneros distantes da simplicidade e alegria pop dos anos 60. Não é um simples CD, já que este está integrado num pequeno livro com documentação sobre o artista e excelente grafismo.