sexta-feira, 25 de setembro de 2009

El Cantante de los Cantantes


León Ichaso - El Cantante (2006)
DVD Apreciação: 6,0 / 10
El Cantante, como filme, não é nada de especial, mas vale pela música e pela informação. Essa bela estampa de mulher que é Jennifer López e o seu marido Marc Anthony não têm aqui grandes desempenhos. A realização também não parece acertada no ritmo da acção. A história é um pouco desconexa e tudo redunda num videoclip contínuo. Até certo ponto ainda bem, pois a música é boa... Trata-se de salsa. Marc Anthony é um bom sonero (cantor de salsa) e a produção musical corre por conta de Willie Colón, figura maior do universo salsero, que escolhe um repertório magnífico.
Sucede que o filme propõe-se reconstituir a vida daquele que foi o maior
sonero de sempre, Héctor Lavoe. Era porto-riquenho radicado em Nova York desde meados dos anos 60. Como vocalista da banda de Willie Colón tornou-se um mito. De tal modo que foi apodado El Cantante de los Cantantes. Aliás, um acerto desta edição em DVD é pôr na banda sonora do menu a voz o próprio Lavoe cantando Periódico de Ayer. O filme volta a pô-la no genérico final com o mesmo tema e outros também famosos. Pelo meio ficam as versões de Marc Anthony.
Mas o mito não se deve apenas a dons artísticos. Lavoe teve uma vida trágica. Morreu de
SIDA, no final de uma decadência marcada por consumo de drogas e tentativas de suicídio. O filme não consegue atingir densidade dramática ao abordar esses momentos. Por outro lado, Marc Anthony, no papel de Lavoe, faz o que pode para se parecer com ele, mas a sua voz não se aproxima, evidentemente, daquele timbre inconfundível, além de que tem uma figura que não se ajusta à sua imagem decadentista. Em todo caso, registe-se a intenção de homenagem, a boa música e o contributo para se entender o caldo de cultura de onde emerge a salsa, essa simbiose de ritmos de Porto Rico e Cuba com epicentro em Nova York.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Camarón, uma Lenda


Camarón de la Isla - La Leyenda del Tiempo (1979)
CD - Apreciação: 8,0 / 10

Camarón de la Isla (José Monge Cruz) foi a última grande figura do flamenco. A sua morte prematura cortou abruptamente uma carreira fulgurante, alcandorando-o à categoria de mito. Tinha uma voz genuinamente flamenca, bem servida de garra. Além disso, a sua carreira assinalou alguns marcos na evolução do flamenco. Com efeito, esteve presente em projectos inovadores, ao lado de guitarristas como Paco de Lucía e Tomatito; deu a sua voz à experiência de pôr poemas de Federico García Lorca em acordes flamencos, como sucedeu com La Leyenda del Tiempo, o tema que dá título a este álbum. É uma gravação emblemática na afirmação do nuevo flamenco, pelo que significou de ruptura em arranjos instrumentais. Se já anteriormente, com Paco de Lucía, havia sinais inovadores, sob a orientação do produtor Ricardo Pachón tem aqui ousadias radicais. Envereda-se por uma linha de fusão com rock, que doravante não voltará a ser retomada tão nitidamente. Além do já mencionado tema, destaque-se ainda Volando Voy, uma espécie de rumba psicadélica e o mais tradicionalista mas intenso Bahía de Cádiz, umas alegrías cuja contida modernidade é conferida pelo teclado de órgão e uma bateria sublinhando o compasso das palmas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ceará - Andaluzia

Raimundo Fagner - Traduzir-se, Traducir-se (1981)
CD - Apreciação: 7,5 / 10


Que relação pode haver entre o Brasil e o flamenco? É óbvio que pouca. Contudo, o cearense Raimundo Fagner faz aqui um álbum que pode ser catalogado como nuevo flamenco. De facto, em rigor, isto é válido para cerca de metade dos temas. O resto é um repertório mais próprio de Fagner, mas com uma incursão invulgar: o poema de Florbela Espanca, Fanatismo, que, aliás, é o tema de abertura e com aparato...
É um álbum mestiço, mas dominado por um astral flamenco, eloquentemente enunciado pela pose de Fagner na foto da capa, com sombrero andaluz, em plena Plaza Mayor de Madrid (só faltava em vez do cigarro, um puro...). Parte dele foi produzido e gravado em Madrid, com a participação de Mercedes Sosa, Manzanita, Joan Manuel Serrat e Camarón de la Isla. Todos interpretam duetos com Fagner em temas marcantes das suas carreiras: Mercedes Sosa - Años (de Pablo Milanés); Manzanita - Verde (de Lorca); Serrat - La Saeta (de Antonio Machado); Camarón - La Leyenda del Tiempo (de Lorca). Diga-se que algumas destas versões talvez superem os originais... Mas não fica por aqui. Trianera é um tema de ressonâncias flamencas que se estende por mais de sete minutos, quase em roda livre.
Fagner nasceu no Ceará e é filho de um libanês e de uma índia. Para o Nordeste nos finais do século XIX e inícios do século XX afluiram imigrantes da Turquia, Síria e Líbano, popularmente conhecidos como turcos ou mascates (não esquecer seu Nacib, de Gabriela...). O cantor justifica a sua atracção pelo flamenco, pela ascendência paterna. É uma crença muito difundida essa, a das influência árabe no cante, mas, na verdade, ela foi menor do que se possa crer... O certo é que a sua voz desgarrada se adapta bem ao género e que esse sua aptidão e gosto proporcionou um álbum original.

sábado, 19 de setembro de 2009

Doce Viver


Emílio Santiago - Bossa Nova (2000)
CD - Apreciação: 6,5 / 10

A música brasileira teve sempre ampla difusão por cá. Contudo, a popularidade alcançada deste lado do Atlântico nem sempre é proporcional à da origem. É este o caso de Emílio Santiago, um intérprete negro. Apesar das fortes influências africanas na música brasileira, os negros não abundam tanto quanto se poderia esperar na
MPB.... Nos anos 60 e 70 destacou-se Jair Rodrigues; nos anos 70 e 80, Milton Nascimento e Gilberto Gil; nos anos 80 e 90, Djavan. Em todo o caso, estes protagonistas não têm nas suas vozes o travo distintivo da negritude como sucede com Emílio Santiago. Ora, a voz quente e aveludada deste cantor combina magnificamente com a bossa nova e o samba-canção e não surpreende, portanto, que no seu repertório haja constantes incursões nestes géneros.
Nos finais do anos 80 e início dos anos 90 Emílio Santiago editou vários álbuns que constituíram a série Aquarela Brasileira, onde se espraiou por clássicos da bossa e do samba-canção. Foi um filão nostálgico, comercialmente compensador. Sucede que esses álbuns eram interessantes pela matéria-prima e pela voz, mas algo limitados pelo conceito e orquestrações. A sistemática utilização do medley e de arranjos convencionais eram a sua imagem de marca. Em contrapartida, os últimos álbuns já reflectem conceitos de produção mais refinados. É o caso deste. Continua a explorar a linha nostálgica, mas de um modo temático coerente, orientado para a bossa-nova, com orquestrações sofisticadas que envolvem da melhor forma o veludo quente da voz. São todos temas conhecidos e alguns consagrados. Não se pretende fazer nada de original, mas apenas refazer pela enésima vez, com virtuosismo e glamour, a conhecida receita dos génios criadores da bossa-nova, mas com uma voz que acrescenta algo... É uma fórmula que permite saborear o que se pode traduzir pelo título da mais soberba das peças aqui incluídas, Doce Viver, de Nelson Motta.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Brasil, Anos 50


Uma velha revista de 1959 deu-me, era eu miúdo, uma imagem do Brasil que conservei para sempre, apesar de contraditada pelo que fui sabendo ao longo da vida. Como revista de propaganda, enaltecia o país, através de dados estatísticos e fotografias. Mas tinha material informativo que valia por si. Gostava dessa informação e, por outro lado, impressionavam-me as imagens das cidades e, em particular, dos arranha-céus. As páginas finais sobre Brasília, em vias de de se tornar a nova capital, reforçavam a imagem de modernidade. Numa página uma foto do Palácio Presidencial da Alvorada, noutra, a foto do Presidente Kubitschek de Oliveira a assinar a lei que fixava a data da transferência da capital. Era o remate de uma ideia de progresso. Não é tão despropositada esta visão. De facto, do que fui aprendendo ao longo da vida sobre o Brasil retive um dado. Os anos 50 e a primeira metade dos anos 60 foram anos felizes para este país. Havia uma classe média relativamente próspera, a liberdade própria de uma sociedade aberta e tolerante e optimismo. Não por acaso, talvez, foi o tempo da 1ª Copa do Mundo (a da Suécia) e do aparecimento da Bossa Nova. Dir-se-ia que, desde esse tempo, houve um retrocesso...

domingo, 6 de setembro de 2009

Um Outro Brasil

Erico Veríssimo - O Tempo e o Vento (1949)

Livro - Apreciação: 8,5 / 10
Em finais dos anos 80 a TV Globo realizou uma excelente série baseada neste romance. É a mais conhecida obra de Erico Veríssimo - uma história que se desenrola ao longo de gerações, desde finais do século XVIII até ao século XX. O tema é a construção da sociedade gaúcha, ilustrada numa localidade do interior montanhoso do estado mais meridional do Brasil, Rio Grande do Sul. Este é um Brasil menos conhecido, diferente do Brasil tropical e colonial. Foi construído numa zona de fronteira, em que os obstáculos eram de natureza humana e não naturais. Tem afinidades com o Uruguai e Argentina e algumas marcantes especificidades. Juntamente com o vizinho estado de Santa Catarina e com o Paraná faz parte da região mais europeia do Brasil. A imigração veio em grande número da Itália e Alemanha. Se exceptuarmos certas zonas do litoral (Canoas, por exemplo), a imigração portuguesa é menor e quase exclusivamente açoriana. Não por acaso foi aqui que surgiu a mais séria tentativa separatista - a Guerra do Farroupilha, na qual participou o italiano Garibaldi, herói do Rissorgimento.
O romance descreve-nos uma sociedade violenta que se forjou a luta individual contra circunstâncias adversas, como as guerras fronteiriças entre o poder colonial espanhol e o poder colonial português. A criação de gado foi o pilar em que assentou esta cultura, conhecida de ambos os lados da fronteira como gaúcha. O cenário e as situações fazem lembrar o Far West. À rudeza dessa forma de vida acresce uma peculiar mestiçagem, onde os índios, preservados em missões jesuítas, tiveram alguma importância. Este romance introduz-nos nesse outro Brasil, que chega até nós por via dos popularizados restaurantes de rodízio. Já agora, chimarrão é o nome de uma bebida genuinamente gaúcha, um dos seus ex-libris identificadores.

sábado, 5 de setembro de 2009

Testemunho da MPB (2)

Vários - Noites Tropicais (2000)

CD - Apreciação: 6,5 / 10
Noites Tropicais tem um correspondente em duplo CD. É a melhor antologia da MPB que conheço - são muitos os grandes temas aqui incluídos, os quais cobrem todas as fases e tendências. Apropriadamente o primeiro tema é o mítico Desafinado, de João Giberto, mas, de facto, ao longo dos dois CDs há oportunidade para nos espraiarmos pelas várias tendências da MPB e para, inclusivamente, nos adentramos em algo muito menos interessante, mas importante, o rock brasileiro. Além do mais, a apresentação é soberba e está graficamente ajustada ao livro. O objectivo de funcionarem em complemento foi atingido.

Testemunho da MPB (1)

Nelson Motta - Noites Tropicais (2000)
Livro - Apreciação: 7,0 / 10
Nelson Motta é um jornalista e escritor brasileiro que participava num programa de tertúlia de Rede Globo, Mannattham Connection, feito a partir de Nova York. Com mais dois compatriotas abordavam temas variados, tendo como referência o facto de estarem num local privilegiado para observar o mundo. Chegou a ser emitido no canal que então a Globo tinha na TV Cabo. Poucos programas pude ver, mas deu para perceber a verve e argúcia dos tertulianos. Algumas crónicas subordinadas ao mesmo título do programa foram também publicadas no Diário de Notícias.
Nelson Motta é muito conhecido, pois tem uma longa trajectória no mundo artístico, nomeadamente como produtor musical. Este livro de memórias reporta uma experiência ímpar nas origens e desenvolvimento da Música Popular Brasileira (MPB), desde a Bossa Nova até ao rock autóctone, passando por variadas tendências e movimentos. Privou intimamente com alguns dos maiores vultos (foi, por exemplo, amante de Elis Regina) e dá-nos informações que abrangem aspectos da suas vidas íntimas, sem cair na futilidade. Não é frequente que protagonistas deste tipo se disponham a tais testemunhos. É, portanto, um testemunho de privilégio que nos introduz no cerne da história da MPB. Muito em particular, faz-nos sentir o ambiente que nos finais dos anos 50 e ao longo dos 60 criou a Bossa Nova.


Das Vísceras

El Pele / Vicente Amigo - Canto (2003)
CD - Apreciação: 8,0 / 10
Que se poderia esperar da junção destes dois cordobeses, Vicente Amigo e El Pele, respectivamente, uma das melhores guitarras e uma das melhores vozes flamencas da actualidade, senão algo de notável? O que aqui há de moderno é relativamente discreto, mas eficaz. Contudo, o que é decisivo diz respeito à alma do flamenco - há aqui momentos de duende. A voz rasgada de El Pele e o virtuosismo de Vicente Amigo representam em nível eleveado o espírito e da técnica do flamenco e, por isso, neste álbum temos momentos de cante jondo, como no tema 7, Aconteció (Seguirilla). Aí podemos ser conduzidos ao transe através da voz de El Pele, no seu estado mais selvagem, sublinhada pelos acordes da guitarra e pela cadência rítmica da percussão. É uma música que parece sair do interior da terra ou das vísceras do cantor. Este álbum é uma via de aproximação ao flamenco mais puro.

Andaluzia: Paisagens Épicas

Manuel Gutiérrez Aragón / Juan Lebrón / Fernando Olmedo: Andalucía es de Cine
DVD - Apreciação: 8,5 / 10
Na senda aberta por A Vista de Pájaro, série da RTVE que nos anos 80 mostrou a Espanha de helicóptero, surgiram séries análogas, mas com maior detalhe, sobre o País Vasco e Navarra, Catalunha e Galiza. Posteriormente surgiu também esta, sobre a Andaluzia, que tem certas particularidades. Com efeito, esta edição, composta por 10 DVDs, apresenta-se como uma enciclopédia audiovisual. São 250 clips com a duração de 1 minuto e meio, dedicados a uma localidade, comarca ou serra. As mais importantes localidades têm dois ou três clips - é o caso de Sevilha, Granada e das demais capitais de província. Esta organização é desconcertante, mas pode ser entendida em função de um possível conceito de inserção televisiva e pelo carácter enciclopédico da edição. Em todo o caso, o facto de os clips serem apresentados por ordem alfabética e não por um critério temático parece-me um defeito. Contudo, o carácter enciclopédico tem, por outo lado, a vantagem de proporcionar informações complementares como base de dados, mapas de localização e fotografias sobre cada lugar objecto do clip.
A série é também original pela locução e textos. A locução é arrebatada. A música é épica (sempre o mesmo extracto da suite orquestral The Planets, de Gustav Holst). Deve-se dizer que locução e música adequam-se aos textos, da autoria do escritor José Caballero Bonald - são textos de prosa quase poética, cheios de adjectivos. Sob o ponto de vista técnico é um documento extraordinário. A qualidade da fotografia e montagem denotam tecnologia avançada e a mestria do realizador, que é um conhecido cineasta espanhol, Manuel Gutiérrez Aragón. Note-se ainda que não há uma utilização exclusiva de meios aéreos, pois há alguns planos terrestres - uma inovação, tendo em conta os precedentes.
Por fim, uma palavra para a Andaluzia, que proprciona a matéria-prima: pueblos blancos alcandorados em serranias ou pontilhando planícies, entre infindáveis campos de oliveiras ou à beira das marismas (lezírias); montanhas escalavradas ou verdejantes; cidades de encanto e história como Sevilha, Cádiz, Córdova e Granada. É uma região de paisagens épicas pela intensidade das cores e contrastes, o que se ajusta à forma como aqui nos é apresentada.

Hipertensão


La Húngara - Mi Sueño (2009)
CD - Apreciação: 6,0 / 10 Qualificar este CD como de flamenco será acintoso para os amantes do arte jondo. É um produto que vem do extenso e fluído território periférico do flamenco, que poder ser designado como flamenquito. Os acordes de guitarra, o tipo de vocalização e a garra interpretativa permitem estabelecer a filiação.
La Húngara - impossível encontrar lógica para tal pseudónimo - é uma andaluza, de Écija, província de Sevilha. Tem boa voz e uma garra para dar e vender. Já criou um estilo e um vasto conjunto de
fans - los hungareros... É um flamenquito assente em artifício techno que jorra pesadamente dos teclados e da percussão. É, um género que não andará longe de poder ser considerado análogo ao nosso pimba, porém, simultaneamente, mais produzido e castiço. No caso de La Húngara, pelo menos neste álbum, deve-se dizer ainda que as letras fogem do convencional. Na verdade, embora sem especial valor lírico, canta-se o desamor, o despeito e, até, temas socialmente relevantes como a violência doméstica. Mas, acima de tudo, a garra interpretativa de La Húngara é verdadeiramente digna do lugar-comum salero. Diria mesmo, que, com tanto sal, temos hipertensão garantida...

Italian Design

Romy Padovano - I Mille Volte di una Voce (1988)
Livro - Apreciação: 9,0 / 10
Um dos aspectos interessantes do percurso de Mina é a crescente importância que o grafismo foi adquirindo em torno da sua imagem, a ponto de se ter criado uma espécie de iconografia própria. Se desde o início dos anos 70 já era visível o cuidado com as capas dos discos, a partir do seu desaparecimento artístico público, com a limitação da sua actividade à edição anual de um álbum, a dimensão gráfica adquiriu mais imaginação e fantasia. O principal responsável foi o fotógrafo Mauro Belletti.
O material produzido é, em quantidade e qualidade suficiente para poder ser apreciado autonomamente. Pois, este livro é um album da iconografia de Mina, onde os artifícios fotográficos de Mauro Belletti são protagonistas. É um produto de italian design.